HISTÓRIAS DA ARTE POLITICAMENTE INCORRETAS: A SEMANA DA ARTE MODERNA E A BAIXARIA CONTRA A PINTORA ANITA MALFATTI.

A Semana de Arte Moderna ocorreu em fevereiro de 1922, em São Paulo.
O movimento revolucionou a linguagem de praticamente todos os segmentos da arte: poesia, música, literatura, artes plásticas, dança…
Participaram do evento nomes consagrados como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos, Tácito de Almeida, Di Cavalcanti, entre outros – infelizmente, Tarsila do Amaral, um dos grandes esteios do modernismo brasileiro, não participou porque se achava em Paris.
A Semana de 22 introduziu definitivamente o modernismo no Brasil, o que não aconteceu por acaso, e sem luta.
Na realidade, o estopim do movimento ocorreu quatro anos antes, precisamente quando o escritor e crítico de arte Monteiro Lobato esculachou uma exposição da pintora Anita Malfatti.
Anita, que era filha de um italiano com uma norte-americana, foi estudar pintura na Europa e nos Estados Unidos e ao retornar ao Brasil em 1917 resolveu montar uma exposição para mostrar o que havia aprendido lá fora, principalmente com os artistas expressionistas.
Tudo ia bem até que, na metade da exposição, Monteiro Lobato escreveu um artigo no jornal Folha de São Paulo intitulado “Paranóia ou Mistificação ?”
Aqui vai uma palinha desse texto infeliz do Lobato, que originalmente é longo: “Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas(…) A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. (…) Embora eles se dêem como novos, precursores de uma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação.(…) Essas considerações são provocadas pela exposição da senhora Malfatti onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia”.
Foi o que bastou para que a caipirada paulistana da época invadisse a exposição e quebrasse tudo, ao mesmo tempo que devolviam aos pedaços as obras de arte que haviam comprado da artista e, aos berros, exigiam o dinheiro de volta.
Anita Malfatti foi empurrada, derrubada no chão e chegou a apanhar. A artista, que só tinha 24 anos, entrou em depressão profunda, passou a ter medo de pintar e de sair de casa, e levou muito tempo para se recuperar do absurdo trauma que Lobato lhe impôs.
Mas a malvadeza do autor de Urupês contra a jovem pintora não saiu de graça.
Sensibilizados com o acontecimento, centenas de artistas da vanguarda brasileira se mobilizaram incontinenti e se uniram em torno de um ideal: colocar a pique a arte do século XIX a qualquer custo, acabar de vez com o parnasianismo poético medíocre e superado que vigia naquela época.
E assim foi até a batalha final, que aconteceu naquela semana ensolarada de 22, quando a liberdade, rebocada pela Arte, mais uma vez venceu a boçalidade e a tirania.